

José Joaquim Cesário Verde
- Sílvia Mota -

José
Joaquim Cesário Verde (Cesário Verde) é considerado um dos poetas mais
originais e inovadores da literatura portuguesa do século XIX.
Caracterizada por estilo assaz pessoal, a poesia de Cesário Verde trai
sua intensa consciência da realidade. O poeta inspira-se em
circunstâncias normais, cotidianas e eventos: "O que me rodeia é o que
me preocupa". Passeios pelas ruas da tarde do século XIX de Lisboa fazem
com que Cesário Verde capte através da poesia uma visão ampla da
paisagem industrializada da metrópole. Deixa-se atrair pelas residências
palacianas, construções modernas, prédios de madeira e janelas de
lojas, bem como a rua repleta de barulho e multidões de pessoas
envolvidas em sua luta diária pela sobrevivência. Os poemas de Cesário
Verde também incluem retratos humanos, nos quais descreve os conflitos
inerentes à estratificação social do ambiente urbano. Seu verso oferece
um rico panorama sociológico, variando em tema de aristocratas e da
burguesia para a classe trabalhadora e para as pessoas marginalizadas
como criminosos mesquinhos. Sua escrita perspicaz não só retrata a
paisagem da cidade, mas também se aprofunda no que considera o meio
ambiente saudável e prático vivido pelo povo no campo. No entanto, nem
tudo é perfeito no país, como adverte em seu último poema: "nem Tudo São
é melodioso".
Sem
nenhuma sombra que possibilite dúvidas, “[...] o olhar que engendra os
poemas de Cesário guarda estreita afinidade com o do artista plástico,
concentrando formas e cores, captadas com extremo frescor.” (MOISÉS,
1982, p. 6). Não obstante, o aspecto a ser analisado neste texto é a sua
capacidade de criar uma linguagem flexível cujos artifícios visuais e
sensoriais agregados ao movimento engenham estreita relação com uma
realidade em constante processo de transformação. Essa plasticidade é
referida por Fernando Pessoa (1974, p. 384-385): “Segunda característica
da objetividade poética é aquilo que podemos chamar a plasticidade; e
entendemos por plasticidade a fixação do visto ou ouvido como exterior,
não como sensação, mas como visão ou audição. Plástica nesse sentido foi
toda a poesia grega e romana, plástica poesia dos parnasianos, plástica
(além de epigramática e mais) a de Victor Hugo, plástica, de novo modo,
a de Cesário Verde. A perfeição da poesia plástica consiste em dar a
impressão exata e nítida (sem ser exatamente epigramática) do exterior
como exterior, o que não impede de, ao mesmo tempo, o dar como interior,
como emocionado.”
A
poética de Cesário Verde é marcada por uma "objetividade antilírica",
que não o impede de expressar suas ideias e sentimentos como um homem
envolvido em questões sociais. Seu respeito pela filosofia positivista e
sua tremenda compaixão pelas vítimas da injustiça social são evidentes
na maioria dos seus versos. Sentimentos sinceros para com os pobres são
demonstrados em "Cristalizações", no qual analisa o trabalhador como um
símbolo da energia das pessoas. Os versos assumem nuance quase épico:
"Povo! No pano cru rasgado das camisas / Uma bandeira penso que
transluz! / Com ela sofres, bebes, agonizas: / Listrões de vinho
lançam-lhe divisas, / E os suspensórios traçam-lhe uma cruz!"
José
Joaquim Cesário Verde nasceu em uma família de bem em Lisboa em 25 de
fevereiro de 1855. Seu pai é dono de propriedade rural em
Linda-a-Pastora e de loja de ferragens na capital. Por volta de 1865,
quando ainda criança, começa a trabalhar no negócio da família, ajudando
o pai na loja de hardware. Para o resto de sua vida, participa dos dois
setores econômicos em que sua família dedicara-se por muitos anos - a
agrícola e a comercial. Essas duas áreas constituem os principais temas
de trabalho de Cesário Verde, muitas vezes sob a forma de conflito ou
contraste entre a vida rural e urbana e seus valores. Quando jovem,
frequenta a escola, por um tempo em Lisboa, para estudar línguas, e
dedica muito de seu tempo à Literatura.
A
estreia lírica de Cesário Verde ocorre em 1873, quando seus primeiros
versos são publicados em dois jornais de Lisboa. "A Força", "Num
tripúdio de corte rigoroso" e "Ó Áridas Messalinas" apareceu no Diário
de Notícias, enquanto "Eu e Ela" e "lubrificação" (Sensual) são
publicados no Diário da Tarde. Em 1874 publica sete poemas no Diário da
Tarde, três no Diário de Notícias, dois na tribuna, e um na Harpa.
Publica apenas duas composições em 1875, na tribuna e na revista
Mosaico. Em 1876, "A débil" aparece no jornal Evolução, em Coimbra.
Entre
1873 e 1876, sua produção literária é classificada por Joel Serrão,
como poesia da juventude. Estas primeiras composições retratam o amor
como tema e a mulher como objeto. Serrão salienta: "O poeta ama de
maneiras diferentes dependendo de onde é. No país ou na cidade." Cesário
Verde vê o amor em áreas rurais como autêntico e verdadeiro, pois as
mulheres não são negativamente afetadas pelo comportamento burguês
urbano. Os aristocratas da cidade, por outro lado, que são artificiais,
esnobes, e não confiáveis, fazem do amor honesto uma impossibilidade.
Em
vários poemas Verde revela sua sensibilidade para a atenção crítica
mínima que seu verso tem recebido ao longo dos anos. Pondera tanto a
falta de comentários de alguns versos e os momentos de recepção
desfavorável para os outros.
Cesário
Verde incorpora cenas do cotidiano em sua poesia, descrevendo-os em uma
linguagem prosaica. Usa palavras para construir as cenas em que o
efeito visual dominante é sublinhada por uma sensação de movimento.
Algumas dessas cenas lembram uma pintura impressionista. Verde também
usa ironia e da paródia, de forma mais condensada. Em "Sardenta" (A
Mulher Freckled), por exemplo, ele corrói - começando com o adjetivo do
título - a imagem de beleza feminina ideal. Sua atribuição de um valor
negativo para a metáfora da mulher constitui uma rejeição da idealização
romântica tradicional do feminino. Nos dois primeiros versos do poema
que estabelece o clichê romântico da mulher como flor; nos dois últimos
versos, porém, caracteriza esta imagem quando "Láctea virgem dourada" é
visto como uma Camélia "melada" (uma camélia doce). O sublime é
transformado em grotesco através de seu retrato crítico do real. A
inversão de típicas metáforas românticas em "Sardenta" constitui a
reação de Cesário Verde para o sentimentalismo exagerado do romantismo.
Em
1886, Verde começa a sofrer de tuberculose e sua família o leva para
Lumiar. Morre nesse local em 19 de Julho de 1886, sem nunca ter
recolhido seus poemas em um livro. Um amigo, Silva Pinto, reuniu e
publicou os poemas de Cesário Verde em “O livro de Cesário Verde”. De
acordo com Pinto, o poeta realizara a seleção antes da morte.
Mais
provável, porém, é que Pinto organizou a obra com fulcro na sua própria
perspectiva crítica. Estudiosos, como Serrão afirmam que o livro foi
elaborado a partir de material coletado a partir de jornais e autógrafos
oferecidos aos amigos. A inclusão de composições - e a exclusão deles
de “O Livro de Cesário Verde” foi provavelmente baseado em decisão de
Silva Pinto, como era a divisão do trabalho em duas seções, que não
seguem uma ordem cronológica de composição: "Crise romanesca" e
"Naturais".
Salienta-se
que ao transformar o cotidiano em poesia e dignidade, empréstimos
literários à prosaica, Cesário Verde cria uma nova estética na
literatura portuguesa. Esta nova abordagem ao verso incorporada, em
parte, é o germe da poesia moderna portuguesa.

Vaidosa
Dizem que tu és pura como um lírio
E mais fria e insensível que o granito,
E que eu que passo aí por favorito
Vivo louco de dor e de martírio.
Contam que tens um modo altivo e sério,
Que és muito desdenhosa e presumida,
E que o maior prazer da tua vida,
Seria acompanhar-me ao cemitério.
Chamam-te a bela imperatriz das fátuas,
A déspota, a fatal, o figurino,
E afirmam que és um molde alabastrino,
E não tens coração, como as estátuas.
E narram o cruel martirológio
Dos que são teus, ó corpo sem defeito,
E julgam que é monótono o teu peito
Como o bater cadente dum relógio.
Porém eu sei que tu, que como um ópio
Me matas, me desvairas e adormeces,
És tão loura e dourada como as messes
E possuis muito amor... muito amor-próprio.
Dizem que tu és pura como um lírio
E mais fria e insensível que o granito,
E que eu que passo aí por favorito
Vivo louco de dor e de martírio.
Contam que tens um modo altivo e sério,
Que és muito desdenhosa e presumida,
E que o maior prazer da tua vida,
Seria acompanhar-me ao cemitério.
Chamam-te a bela imperatriz das fátuas,
A déspota, a fatal, o figurino,
E afirmam que és um molde alabastrino,
E não tens coração, como as estátuas.
E narram o cruel martirológio
Dos que são teus, ó corpo sem defeito,
E julgam que é monótono o teu peito
Como o bater cadente dum relógio.
Porém eu sei que tu, que como um ópio
Me matas, me desvairas e adormeces,
És tão loura e dourada como as messes
E possuis muito amor... muito amor-próprio.

Lúbrica
Mandaste-me dizer,
No teu bilhete ardente,
Que hás de por mim morrer,
Morrer muito contente.
Lançastes, no papel
As mais lascivas frases;
A carta era um painel
De cenas de rapazes!
Ó cálida mulher,
Teus dedos delicados
Traçaram do prazer
Os quadros depravados!
Contudo, um teu olhar
É muito mais fogoso,
Que a febre epistolar
Do teu bilhete ansioso:
Do teu rostinho oval
Os olhos tão nefandos
Traduzem menos mal
Os vícios execrandos.
Teus olhos sensuais,
Libidinosa Marta,
Teus olhos dizem mais
Que a tua própria carta.
As grandes comoções
Tu neles, sempre, espelhas;
São lúbricas paixões
As vívidas centelhas...
Teus olhos imorais,
Mulher, que me dissecas,
Teus olhos dizem mais
Que muitas bibliotecas!
Mandaste-me dizer,
No teu bilhete ardente,
Que hás de por mim morrer,
Morrer muito contente.
Lançastes, no papel
As mais lascivas frases;
A carta era um painel
De cenas de rapazes!
Ó cálida mulher,
Teus dedos delicados
Traçaram do prazer
Os quadros depravados!
Contudo, um teu olhar
É muito mais fogoso,
Que a febre epistolar
Do teu bilhete ansioso:
Do teu rostinho oval
Os olhos tão nefandos
Traduzem menos mal
Os vícios execrandos.
Teus olhos sensuais,
Libidinosa Marta,
Teus olhos dizem mais
Que a tua própria carta.
As grandes comoções
Tu neles, sempre, espelhas;
São lúbricas paixões
As vívidas centelhas...
Teus olhos imorais,
Mulher, que me dissecas,
Teus olhos dizem mais
Que muitas bibliotecas!

Pesquisa na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
REFERÊNCIAS
FIGUEIREDO, J. Pinto de. A vida de Cesário Verde. Lisboa: Arcádia, 1981.
MACEDO, Helder. Nós: uma leitura de Cesário Verde. Lisboa: Plátano Editora, 1975.
MOISÉS, Carlos Felipe. Cesário Verde: poesia completa e cartas escolhidas. São Paulo: Cultrix, 1982.
PESSOA, Fernando In: BERARDINELLI. Cleonice (Org.). Obras em prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1993.
PINTO, Silva (Org.). O livro de Cesário Verde. 2. ed. Lisboa: Editorial Verbo.

Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
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